Nos últimos dois anos, os preços das commodities – produtos básicos essenciais a produção e a sobrevivência humana – tiveram picos sem precedentes. Tal fato deriva de uma grande variedade de motivos, mas em grande parte se deve ao aumento da demanda de países em desenvolvimento, como a China.
Este fenômeno leva a países produtores de tais produtos a intensificar a produção dos mesmos, redirecionando investimentos importantes no setor produtivo de determinado país na produção dos produtos primários que compõem o grupo das commodities. Essa realocação de investimentos para focar em uma pequena gama de setores é preocupante porque pode gerar efeitos deletérios nas economias nacionais, gerando uma “escravidão” na oferta desses produtos com vendas a preços altos.
Entretanto, sabemos que os preços não se mantêm altos para sempre. Isto já é observado desde o fim de 2011, onde houve alguma queda – mesmo que ainda incipiente – da maioria das commodities. Com esta queda, observam-se oscilações nas políticas econômicas dos países que concentram seus ganhos da balança comercial em commodities, como é o caso da Argentina.
Falando em Argentina, o mais famoso economista argentino já falava de um processo parecido com o que ocorre com as commodities de hoje. Raul Prebisch formulou a teoria da relação entre países centro-periferia e do crescimento empobrecedor das economias agrário-exportadoras. Parece que não aprendemos muito com o que Prebisch nos deixou de legado.
As economias, em grande parte, latino-americanas tendem a cair no mesmo erro de focar suas economias aonde o lucro vier mais fácil e rápido. Como, em geral, são países que tem vantagens comparativas em produtos agrícolas e abundantes em commodities metálicas – caso do Chile – acabam por reforçar este efeito com políticas de incentivo a extração e produção destes produtos com baixo valor agregado, que geram poucos elos produtivos em volta de tais setores e exigem mão-de-obra, em geral, menos qualificada do que nos setores produtivos industriais.
Além da dependência da alta destes preços para a manutenção de balanças comerciais positivas, os países exportadores de commodities também se tornam reféns de um mercado especulativo de commodities, que tem se desenvolvido com grande força a partir da crise econômica européia. Isto tem ocorrido em virtude da desalavancagem pela qual passa o mercado financeiro tradicional, focado em ações de empresas, derivativos e etc. Tem havido maior interesse dos agentes – que muitas vezes não entendem nada de commodities - na aplicação de contratos futuros de tais produtos do grupo.
A maioria destes novos investidores no mercado de commodities somente tem interesse na alta de preços e na volatilidade que o mercado tem proporcionado, com contratos futuros de soja, minério de ferro e outros valendo muito mais no vencimento do que na data de início. É um efeito deletério no mercado de commodities que provoca uma volatilidade de preços ainda maior e provoca a alteração no planejamento de produtores de bens agrícolas que tem a maturação dos seus negócios muito maiores do que do ciclo financeiro intrínseco.
Como mais um efeito negativo, as economias dependentes da exportação de commodities tem sofrido com a “supervalorização” de suas moedas frente às moedas de troca internacionais. Este fenômeno tem sido estudado pela academia e foi denominado de commodity currencies. A teoria explicita uma forte correlação entre pauta de exportações concentrada em commodities com valorização das moedas nacionais frente às demais no mundo. Há vários países que podem ser incluídos no caso, como Argentina, Chile e até o Brasil.
Todos esses efeitos prejudiciais observados pela concentração das exportações em commodities leva ao assunto da moda, que é a desindustrialização. Algumas das características básicas do processo desindustrializante são observados nestes países, como a supervalorização das moedas nacionais, a queda da participação da indústria no PIB e a realocação de investimentos produtivos em setores de bens primários.
Entretanto, concluir que há um processo desindustrializante em curso é mais complicado do que parece a uma primeira observação. Vejamos o caso do Brasil: nos últimos anos, temos assistido nossa pauta de exportações perder participação de produtos industrializados e ter aumento na exportação de produtos primários, ou seja, commodities. Porém, ao contrário do que se vê na imprensa, não há uma diminuição na produção industrial, mas sim um maior aumento dos setores extrativos e de produção de bens primários.
Além disso, o Brasil conta com outro fenômeno que leva a uma maior valorização do Real frente as demais moedas que é a entrada de capital externo através do IDE – investimento direto estrangeiro – e o investimento em carteira (ações e títulos). Tal fato parece ser mais relevante, no caso do Brasil, para causar uma valorização da moeda nacional do que a maior participação das commodities na pauta de exportação brasileira.
Ou seja, demonizar a primarização da nossa pauta de exportações deve ir na direção de que devemos desconcentrar a produção de tradeables entre produtos manufaturados, semimanufaturados e básicos também. É óbvio que havendo maiores ganhos em determinados setores, seja em bens primários ou industrializados, haverá maior interesse no investimento nestes.
Portanto, as políticas de governo devem ter como norte a diversificação da pauta produtiva, e não protegendo setores de baixa produtividade que possuem fortes lobbies no governo para se manterem vivos.
A desindustrialização não deve ser mote para o favorecimento de certos grupos produtivos nacionais, como tem ocorrido no Brasil. Tal processo não é comprovado pelos dados e não deve indicar políticas viesadas de governo.