terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A escravidão das commodities e a suposta Desindustrialização no Brasil

Nos últimos dois anos, os preços das commodities – produtos básicos essenciais a produção e a sobrevivência humana – tiveram picos sem precedentes. Tal fato deriva de uma grande variedade de motivos, mas em grande parte se deve ao aumento da demanda de países em desenvolvimento, como a China.

Este fenômeno leva a países produtores de tais produtos a intensificar a produção dos mesmos, redirecionando investimentos importantes no setor produtivo de determinado país na produção dos produtos primários que compõem o grupo das commodities. Essa realocação de investimentos para focar em uma pequena gama de setores é preocupante porque pode gerar efeitos deletérios nas economias nacionais, gerando uma “escravidão” na oferta desses produtos com vendas a preços altos.

Entretanto, sabemos que os preços não se mantêm altos para sempre. Isto já é observado desde o fim de 2011, onde houve alguma queda – mesmo que ainda incipiente – da maioria das commodities. Com esta queda, observam-se oscilações nas políticas econômicas dos países que concentram seus ganhos da balança comercial em commodities, como é o caso da Argentina.

Falando em Argentina, o mais famoso economista argentino já falava de um processo parecido com o que ocorre com as commodities de hoje. Raul Prebisch formulou a teoria da relação entre países centro-periferia e do crescimento empobrecedor das economias agrário-exportadoras. Parece que não aprendemos muito com o que Prebisch nos deixou de legado.

As economias, em grande parte, latino-americanas tendem a cair no mesmo erro de focar suas economias aonde o lucro vier mais fácil e rápido. Como, em geral, são países que tem vantagens comparativas em produtos agrícolas e abundantes em commodities metálicas – caso do Chile – acabam por reforçar este efeito com políticas de incentivo a extração e produção destes produtos com baixo valor agregado, que geram poucos elos produtivos em volta de tais setores e exigem mão-de-obra, em geral, menos qualificada do que nos setores produtivos industriais.

Além da dependência da alta destes preços para a manutenção de balanças comerciais positivas, os países exportadores de commodities também se tornam reféns de um mercado especulativo de commodities, que tem se desenvolvido com grande força a partir da crise econômica européia. Isto tem ocorrido em virtude da desalavancagem pela qual passa o mercado financeiro tradicional, focado em ações de empresas, derivativos e etc. Tem havido maior interesse dos agentes – que muitas vezes não entendem nada de commodities - na aplicação de contratos futuros de tais produtos do grupo.

A maioria destes novos investidores no mercado de commodities somente tem interesse na alta de preços e na volatilidade que o mercado tem proporcionado, com contratos futuros de soja, minério de ferro e outros valendo muito mais no vencimento do que na data de início. É um efeito deletério no mercado de commodities que provoca uma volatilidade de preços ainda maior e provoca a alteração no planejamento de produtores de bens agrícolas que tem a maturação dos seus negócios muito maiores do que do ciclo financeiro intrínseco.

Como mais um efeito negativo, as economias dependentes da exportação de commodities tem sofrido com a “supervalorização” de suas moedas frente às moedas de troca internacionais. Este fenômeno tem sido estudado pela academia e foi denominado de commodity currencies. A teoria explicita uma forte correlação entre pauta de exportações concentrada em commodities com valorização das moedas nacionais frente às demais no mundo. Há vários países que podem ser incluídos no caso, como Argentina, Chile e até o Brasil.

Todos esses efeitos prejudiciais observados pela concentração das exportações em commodities leva ao assunto da moda, que é a desindustrialização. Algumas das características básicas do processo desindustrializante são observados nestes países, como a supervalorização das moedas nacionais, a queda da participação da indústria no PIB e a realocação de investimentos produtivos em setores de bens primários.

Entretanto, concluir que há um processo desindustrializante em curso é mais complicado do que parece a uma primeira observação. Vejamos o caso do Brasil: nos últimos anos, temos assistido nossa pauta de exportações perder participação de produtos industrializados e ter aumento na exportação de produtos primários, ou seja, commodities. Porém, ao contrário do que se vê na imprensa, não há uma diminuição na produção industrial, mas sim um maior aumento dos setores extrativos e de produção de bens primários.
Além disso, o Brasil conta com outro fenômeno que leva a uma maior valorização do Real frente as demais moedas que é a entrada de capital externo através do IDE – investimento direto estrangeiro – e o investimento em carteira (ações e títulos). Tal fato parece ser mais relevante, no caso do Brasil, para causar uma valorização da moeda nacional do que a maior participação das commodities na pauta de exportação brasileira.

Ou seja, demonizar a primarização da nossa pauta de exportações deve ir na direção de que devemos desconcentrar a produção de tradeables entre produtos manufaturados, semimanufaturados e básicos também. É óbvio que havendo maiores ganhos em determinados setores, seja em bens primários ou industrializados, haverá maior interesse no investimento nestes.

Portanto, as políticas de governo devem ter como norte a diversificação da pauta produtiva, e não protegendo setores de baixa produtividade que possuem fortes lobbies no governo para se manterem vivos.

A desindustrialização não deve ser mote para o favorecimento de certos grupos produtivos nacionais, como tem ocorrido no Brasil. Tal processo não é comprovado pelos dados e não deve indicar políticas viesadas de governo. 

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Por que o mundo é refém dos Estados Unidos?


           Enquanto caminhamos para mais um “mergulho” desta última crise iniciada em 2007, continuamos a observar – atônitos – a principal economia do mundo sem nenhuma reação consistente que venha a pelo menos nos indicar algum futuro auspicioso. Os pacotes trilionários de dólares jogados na economia americana, a pseudo reforma do sistema financeiro e a atitude do governo atual americano não foram suficientes para causar algum efeito positivo sobre o “lado real” da economia, ou seja, o setor produtivo que causa todo o dinamismo de desenvolvimento econômico.

             Porém, o mais importante para o resto do mundo é tentar entender e assimilar os porquês das demais economias serem totalmente dependentes de como vai a economia norte-americana. Somos capazes de responder? Vejamos:

1 – Os EUA se endividam na própria moeda que imprimem

                O que isto significa? Significa que o limite para o endividamento é o céu, apesar de pareceres de agências de risco, a oposição republicana não querer aumentar o teto da dívida americana ou o mundo inteiro aconselhar os EUA de que sua dívida está grande demais, o limite para endividamento é, a grosso modo, quando o nosso credor não quer mais nos emprestar. Porém, no caso dos EUA, eles são – em última análise – seus próprios credores, já que imprimem a moeda a qual seus títulos de dívida serão pagos. Infelizmente, o mundo hoje não sabe como lidar com isso e nem está preparado para mudanças neste padrão.

2 – O FED decide quanto vai pagar de juros pelo próprio dinheiro solicitado aos seus credores

                Ora, se eu decido a taxa de juros vigente na minha economia e, mais uma vez, pago tal dívida com o dinheiro impresso por mim, eu decido quanto posso pagar de juros. Por que isto ocorre? Como os EUA são a maior nação econômica do mundo desde os anos 30, o poder de barganha e o padrão estabelecido desde então a partir do uso do dólar como moeda de uso nas trocas internacionais amarram toda a economia mundial às suas determinações. Em suma, as taxas de juros utilizadas pela maioria dos países pelo mundo usam como referencial a taxa de juros americana devido à padronização das trocas internacionais através do dólar.

3 – Os pacotes econômicos de estímulo a economia americana são formas disfarçadas de desvalorização de sua própria moeda para ganho nas trocas comerciais

                Quando um país emite mais moeda e a põe no mercado, o poder de compra oferecido pela moeda diminui, ou seja, há a desvalorização de sua moeda. Se a moeda, como no caso dos EUA, é utilizada como padrão mundial, os produtos produzidos e comercializados pelos EUA ficam mais baratos para serem vendidos ao resto do mundo, causando um aumento no saldo das balanças comerciais e de serviços. O resto do mundo sai prejudicado com o desequilíbrio provocado por um único país (mesmo sendo ele o maior de todos), o que prejudica ainda mais as economias nacionais em um momento de crise e recessão de muitas delas.

                Se não encontrarmos uma saída para essa lógica perversa em um mundo onde temos hoje um equilíbrio de forças econômicas muito maior do que há 50 anos atrás, continuaremos dependentes de um padrão de crescimento mundial através dos Estados Unidos. E se ele não conseguir recuperar seu dinamismo econômico, enfrentaremos um grande período de Estagflação (como nos anos 80) ou, o que parece mais plausível, um período de recessão da economia mundial como um todo.

                  Uma das saídas financeira / monetária discutidas é a criação de uma cesta de moedas para tornar menos dependente a economia mundial de uma única moeda. Talvez assim, os porquês de sermos reféns de um único país sejam amenizados e desapareçam dos noticiários econômicos para entrarem somente para a História.

domingo, 24 de julho de 2011

Inadimplência e bolha imobiliária: há algo de errado?

        Assistimos a dois fenômenos econômicos importantes e preocupantes hoje no Brasil. Logicamente, há quem discorde de que exista uma bolha imobiliária nas principais capitais brasileira - destacando aqui o Rio de Janeiro - e a questão da escalada vertiginosa do aumento da inadimplência no pagamento de empréstimos em geral, que ainda parece disfarçada pela euforia econômica dos últimos tempos, mas que vem se desfazendo através dos contínuos aumentos de taxas de juros e pela política de contenção de gastos do governo.

            Em primeira análise, são dos assuntos desconexos, mas que preferi aliá-los aqui porque os mesmos se complementam em determinada altura na (i)lógica condução  da economia praticada pelos últimos governos no Brasil. Se admitimos termos uma bolha imobiliária importante em algumas das principais capitais brasileiras, sabemos também que tal fenômeno é causado principalmente pela expansão do crédito imobiliário que foi estimulado de forma irresponsável pelo governo até o fim de 2010 através de seus bancos públicos, em destaque a Caixa Econômica.

            Com empréstimos concedidos com duration acima de qualquer média de mercado (30 anos) e com taxas menores também que as de mercado (me refiro aos bancos privados), tal política governamental se utilizou de uma situação conjuntural de calmaria e crédito farto nos mercados internacionais para financiar imóveis que serão pagos em 30 anos, muitas vezes com taxas de juros variáveis e amortizações maiores para o fim do período. Ou seja, foi criada uma bomba relógio que poderá explodir todo o mercado de crédito imobiliário no Brasil nos próximos anos caso a conjuntura internacional não melhore através dos planos de corte de gastos e alongamentos de dívidas que vem sendo praticadas nas economias européias e, quem diria, nos Estados Unidos.

            Tivemos um fenômeno semelhante na época em que existia o chamado Banco Nacional de Habitação – BNH – como o principal financiador de imóveis estatal brasileiro. Com os índices de inflação estratosféricos da época, as parcelas dos empréstimos que também eram subsidiados pelo governo perdiam seu valor real numa economia com 80% de inflação ao mês. O resultado foi a quebra desse sistema gerando um enorme déficit para o Estado brasileiro, indivíduos endividados sem perspectivas para conseguir honrar seus empréstimos e, por fim, uma retração exponencial do setor de construção civil no país.

            Hoje parecemos caminhar para o mesmo fim da história, porém por outros motivos causadores que não a inflação. As modalidades de financiamento estimuladas e subsidiadas pelo governo através de taxas de juros irreais e muito abaixo das de mercado causam a ilusão nos indivíduos de que é possível comprar um imóvel pagando o mesmo em 30 anos com juros baixos. Isso seria verdade se tivéssemos uma estrutura macroeconômica mais estável, onde a variância da taxa de juros básica da economia fosse mais baixa e não se alterasse a qualquer solavanco que nossa economia viesse sofrer. Ou seja, grande parte do aumento no preço dos imóveis de cidades brasileiras como no Rio de Janeiro vem sendo causada pelo estímulo governamental, o que contraria as demais políticas restritivas como o contínuo aumento da taxa de juros básica da economia e os cortes de gastos planejados.

           Como um resultado importante dessas medidas, a inadimplência tem crescido em grande velocidade chegando a patamares alarmantes como o crescimento de 20% de um mês para outro dos índices registrados. Isso mostra em parte a fragilidade das políticas governamentais de crédito praticadas recentemente, dado que não obedecem a lógica de todo o resto da economia que está numa fase de desaceleração interna e de preocupação com o cenário pessimista internacional. Temos a maior taxa básica de juros do mundo de mercado e criamos linhas de crédito com juros muito menores do que a utilizada como referencial para toda a economia produtiva. Se não acabarmos com mais esta distorção teremos grandes problemas em breve.

sábado, 11 de junho de 2011

Taxa de câmbio: vilã ou inocente?

                Nos últimos meses, temos visto críticas estridentes de boa parte dos nossos exportadores reclamando da não intervenção do governo brasileiro na taxa de câmbio, de forma que tornasse a nossa moeda menos valorizada frente ao Dólar. Para nossos exportadores, a política de compra de dólares feita pelo Banco Central nos últimos dois anos deveria ser mantida, o que levaria a termos um preço maior, em Reais, pela aquisição de novos dólares e, por conseqüência, uma moeda menos valorizada.


             Para começar, vamos tentar dirimir a confusão que a imprensa brasileira faz com alguns termos do nosso economês, como taxa de câmbio, moeda, valorização e desvalorização do câmbio. Como dizia um querido professor durante meu período de graduação: “o que se valoriza ou desvaloriza é uma moeda frente à outra, e não a taxa de câmbio”. A taxa de câmbio é uma simples razão entre o preço de duas moedas e, no nosso caso, a mais famosa delas é a relação Dólar / Real. Ou seja, se temos uma taxa de câmbio nesses padrões apresentados com o preço de R$ 1,59, isso implica que para comprarmos um dólar, temos que desembolsar R$ 1,59 da nossa moeda nacional. Isso significa que nossa moeda está valendo menos que o Dólar, o que é perfeitamente natural dado o volume de transações feitas em dólares pelo mundo, o tamanho da economia emissora da moeda – que é os EUA – e a força como padrão de trocas internacionais que o Dólar adquiriu desde os anos 50, no pós-segunda guerra. Portanto, nossa MOEDA tem menor valor em relação ao Dólar, e não o câmbio.

           O empresariado brasileiro, em geral, está acostumado a ter o favorecimento de uma moeda menos valorizada como vantagem para exportação de seus produtos. Por longos anos após a introdução do Plano Real houve uma política de compra de dólares no mercado interno por parte do BACEN para o aumento das exportações, política essa que visava o saldo positivo da balança comercial para compensar nossos saldos negativos da balança de serviços e de nossa conta de capital. Porém, nos dias atuais, tal política chegou a um limite porque a compra de dólares feita pelo BC tem um custo alto, dado que nossa moeda tende a se valorizar ainda mais e também em virtude da nossa alta taxa de juros interna. Nossas reservas internacionais, que são compostas de dólares, estão num patamar muito elevado, o que gera um custo de mantê-las também alto e leva o Banco Central a não ter mais interesse em novas compras desta moeda no mercado.

              Diferentemente do que ocorria até alguns anos atrás, nos dois últimos anos pós-crise financeira de 2008 e após as crises das dívidas européias, o Brasil tem sido um país muito atrativo para o investimento externo em virtude de ter uma economia em expansão, com demanda aquecida, e por remunerar os capitais externos que são investidos em portfólio com a maior taxa real de juros do mundo. Ou seja, temos hoje dois canais importantes de investimento realizados por estrangeiros: o Investimento Direto Externo – IDE – e o investimento em portfólio, ou seja, compra de ações, títulos privados e públicos. A entrada de capitais externos na economia brasileira é estimulada pelo Estado e tem sido fundamental, haja visto que nosso nível de poupança interna é muito baixo para modernizar e criar um novo parque industrial produtivo através de investimentos nacionais. Tal fenômeno tem provocado um saldo positivo de nossa conta de capital, o que praticamente nunca tinha ocorrido na economia brasileira. Hoje a entrada de dólares pelos dois canais tem superado nossa remessa de lucros de multinacionais e demais remessas para o exterior. Portanto, como temos um superávit na Conta de Capital e outro na Balança Comercial com as exportações de Commodities, esses dois efeitos geram pressão para que o Real se valorize frente às demais moedas do mundo, como o Dólar.

Evolução do IDE: médias móveis trimestrais - BACEN

             Este fato dificulta as exportações, já que nossa moeda se valoriza procurando dar equilíbrio à entrada de capitais com as receitas dos produtos exportados e, principalmente, pela massiva entrada de dólares para investimento. Daí vem toda a reclamação de nossos exportadores, que querem manter suas (altas) taxas de lucro a custo de termos uma moeda mais desvalorizada, o que causa efeitos deletérios nos demais setores da economia como a dificuldade em importar qualquer tipo de produto estrangeiro, que são importantes para a maior parte de nossa economia, como é a compra de máquinas e equipamentos importados.

            O já famoso “efeito China” tem provocado uma mudança radical na polarização dos principais players no comércio mundial devido ao grande potencial de exportação daquele país em diversos setores, dos produtos mais simples até os de maior complexidade. A China vem investindo massivamente na construção e atualização do seu parque industrial, investimentos direcionados para Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e na qualificação e treinamento de sua mão-de-obra. Infelizmente, o Brasil não tem praticado ações governamentais e privadas nesse sentido, dando somente como desculpa para a queda nas exportações de nossos produtos manufaturados de o Real ter se valorizado em relação ao Dólar. Acrescido a isso, temos a alta de preços de commodities, as quais o Brasil exporta principalmente grãos e minério de ferro, o que gera um maior superávit da balança comercial mesmo com a menor participação dos produtos manufaturados em nossa pauta de exportação. Por mais que nosso governo haja no sentido de desvalorizar nossa moeda, a longo prazo isso não será possível dado a conjuntura de um novo, grande e produtivo exportador mundial. Ou seja, por mais que o BC continuasse periodicamente com a compra de dólares visando desvalorizar nossa moeda, ela se valorizaria no longo prazo.

            Portanto, a culpabilidade direcionada ao câmbio por ser responsável da fragorosa queda das exportações de nossos produtos manufaturados é indevida, dado que o empresariado brasileiro não tem trabalhado de forma a tornar mais competitivos os seus produtos, seja por torná-los mais modernos ou mais baratos através da minimização de custos dos insumos ou, principalmente, por tornar suas estruturas de fábricas e indústrias mais produtivas. O que pode e deve ser exigido do governo é uma política agressiva na escolha dos setores mais prejudicados para que medidas temporárias sejam tomadas, como a menor tributação dessas empresas, linhas de crédito através das instituições de fomento com taxas menores e a defesa dos interesses de tais setores nos diversos fóruns de comércio internacional para que não haja desequilíbrios como as práticas de dumping provocadas pela China, as triangulações comerciais para a fuga de impostos de importação e etc.

            O câmbio deve ser visto como uma simples relação de preços entre moedas que pode demonstrar problemas escondidos, intencionalmente ou não, em determinada economia. A taxa de câmbio pode ser o sintoma de desequilíbrios internos, mas não a causa.


segunda-feira, 2 de maio de 2011

Uma verdade empresarial inconveniente

             Não há quem discorde no Brasil de que temos uma tributação excessiva em quase todos os setores de nossa economia. Isto dificulta o desenvolvimento de qualquer empreendimento por tirar o incentivo do empresário brasileiro em querer produzir e gerar uma cadeia produtiva em torno da sua empresa em virtude dos custos e do risco envolvidos. Porém, não podemos ignorar o fato de que as margens de lucro praticadas na maioria dos setores industriais, de serviços e extrativos (principalmente petróleo) são uma afronta ao consumidor quando comparadas aos mesmos produtos vendidos em outros países. A tributação excessiva não justifica as margens de lucro absurdas praticadas pelo nosso empresariado em geral.

            Em estudos recentes sobre esse tema, foram comprovadas que em países desenvolvidos e também em alguns emergentes (como a China) as margens de lucro na média ficam entre 5 e 15%. Comparativamente, no Brasil, temos uma média de 30 a 40%, já consideradas as paridades de custos e preços (valores em PPP). Há setores, portanto, que extrapolam essa média, o que não é observado em países com o porte e estágio de desenvolvimento que se encontra o Brasil, dando margem para mais esta distorção no nosso background econômico.

         A margem de lucro dos bancos brasileiros talvez seja o exemplo mais conhecido, onde os mesmos conseguem auferir lucros extraordinários, mesmo havendo a concorrência dos nacionais com os bancos estrangeiros. Ademais, tais bancos estrangeiros como – por exemplo - o Santander, que tem sua filial brasileira como a mais lucrativa de todas as suas filiais pelo mundo, consegue ainda lucrar mais aqui do que em a sua própria matriz na Espanha. Isto provoca efeitos deletérios para o balanço de pagamentos brasileiro quando há o envio desses grandes lucros ao país de origem, o que colabora em grande parte para que nossa conta de remessa de lucros no BP seja extremamente deficitária e tenhamos que cobrir com outras participações.

           Tal fato decorre, principalmente, do alto nível de concentração produtiva em diversos setores econômicos brasileiros que são formados por oligopólios. Devido às grandes dificuldades provocadas pelo Estado em estimular a proliferação de um maior número de empresas, a maior parte dos grandes setores da economia acabam tendo poucas empresas produzindo bens similares, o que dificulta a concorrência através da prática de preços menores. Por exemplo, temos somente duas grandes empresas produtoras de cimento, quatro grandes construtoras, quatro grandes bancos e por aí vai. Além disso, temos hoje políticas de Estado visando uma maior concentração de empresas, como são as políticas de crédito praticadas pelo BNDES. O banco de fomento estimula a fusão e a aquisição de empresas maiores de determinado setor com outras menores com o intuito de criar grandes empresas exportadoras e com escala mundial, porém quem sai prejudicado com essa ação é a sociedade brasileira que passa a ter que pagar preços maiores por ter menos opções de escolha entre produtos similares.

          O Estado deveria praticar políticas industriais e econômicas que estimulassem a concorrência entre as empresas e que oferecessem também menores entraves à proliferação de novos empreendimentos. A tributação excessiva e a burocracia para a criação de uma firma no Brasil são obstáculos que beiram a loucura jurídica, o que favorece a manutenção de poucos e grandes grupos empresariais que praticam margens de lucro absurdamente altas (extraordinárias) por serem o que se chama de price setters, devido à concentração de mercado que lhes favorece.

         As organizações industriais como a CNI e a Fiesp provocam a visão do brasileiro de que os produtos custam caro devido aos altos impostos cobrados nas diferentes fases de produção de um bem. É uma meia verdade conveniente para estes, pois as altas taxas de lucro obtidas por eles não podem ser facilmente identificadas, já que não temos a informação de quanto determinado produto custa para ser produzido. A classe empresarial, portanto, se defende de uma forma no mínimo cínica e incompleta para explicar o porquê dos preços praticados.

           Portanto, não podemos ignorar o fato da grande carga de tributos sobre o setor produtivo brasileiro, mas, da mesma forma, devemos cobrar que o empresariado cobre preços mais baixos por seus produtos. Apesar de ter poucas ferramentas para isso, o consumidor deve sempre procurar similares para os produtos adquiridos, a fim de estimular marcas e empresas menos populares. Já o Estado deve se utilizar de políticas que favoreçam a livre concorrência entre empresas e estimulem a criação de novas firmas para o desenvolvimento de setores mais competitivos internamente, visando sempre como prioridade prover bem-estar da sociedade como um todo, e não de pequenos grupos como tem sido a prática conveniente.

domingo, 27 de março de 2011

O esgotamento da política de juros contra inflação

            Após um ano de forte expansão da demanda e, por conseguinte, a terceira maior taxa de crescimento entre as nações mundiais, o Brasil passa mais uma vez pela necessidade de cortes nas despesas governamentais com o principal fim de reduzir a inflação. Os estímulos do governo à reativação da economia após a crise de 2008 se perpetuaram até o fim de 2010, o que estimulou a forte expansão da economia no ano passado.  Ademais, como conseqüência de uma forte expansão de demanda sem a contrapartida de expansão nos investimentos e na diminuição dos gargalos de nossa economia, nos vemos mais uma vez reféns da política de alta de juros para amenizar a aceleração da inflação. Até quando vamos permanecer com uma economia em compasso de anda e pára, “stop and go” no jargão economês?

            O problema das baixas taxas de investimento no Brasil não é novo e continua a ser o principal entrave para uma expansão sem limitações da economia. A iniciativa privada não tem força para gerir os investimentos necessários em infra-estrutura no país e o governo não tem um plano de investimentos sólido e com metas objetivas. O PAC não passa de um programa de grandes obras, onde não há um objetivo claro de destravar o país em setores fundamentais que precisam ser desafogados para permitir uma expansão contínua de nossa economia ao longo dos anos. Com a manutenção dos famosos “gargalos” nos setores que compõe nossa infra-estrutura, temos fases de “espasmos” de demanda que geram expansões pontuais do PIB. Como esses espasmos não encontram resposta pelo lado da oferta através de novos investimentos, os empresários se encontram na posição de aumentarem seus preços para aumentarem seus lucros, dado o excesso de demanda a ser atendido temporariamente, gerando a famigerada inflação.

            Os governos de Lula e, pelo que já parece, de Dilma mantém vozes dissonantes quanto às políticas a serem adotadas para o controle da inflação, o estímulo aos investimentos e a gestão da economia como um todo. Isso reflete na desconfiança que o empresariado tem em contrair dívidas para novos investimentos que podem ser estimulados ou não por políticas contraditórias praticadas pelas diferentes idéias palacianas. O Brasil continua sem objetivos, estímulos e políticas claras por parte do governo para assegurar uma expansão econômica contínua como as que assistimos, extasiados, nos países asiáticos.

            Dado este cenário, para evitar uma tragédia ainda maior, o Banco Central se vê na obrigação de aumentar a taxa básica de juros da economia para frear a inflação. Tal política vem sendo praticada desde 1999, após o fim da âncora cambial, para conseguir romper com o aumento nos níveis de preço da economia. Ela fazia sentido também porque o país passava por crises no seu balanço de pagamentos - dadas as crises seqüenciais ocorridas em 1997 (Ásia), 1999 (Rússia) e 2001 (empresas .com) - e precisava atrair capitais externos para fechar a conta. Porém, conhecemos bem os efeitos deletérios dessas medidas, que desestimulam ainda mais novos investimentos no setor produtivo já que o crédito é fundamental para a criação de novas plantas produtivas.

            Não podemos continuar reféns dessa lógica destrutiva de um país completamente travado por não estimular corretamente os meios que levariam a um crescimento consistente. O governo deve assegurar estímulos e políticas sólidas e contínuas à setores estratégicos da economia que desafoguem os demais, o que permitirá expansão econômica sem o perigo de crescimento da inflação. 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Os grandes lobbies que levaram à crise financeira de 2008

          O documentário lançado em 2010 sobre a crise econômica financeira de 2008, chamado Inside Job mostra algumas interessantes facetas sobre os porquês do surgimento, manutenção e perpetuidade dos motivos que nos levaram a maior crise econômica desde 1929. E o mais impressionante disso tudo é que as causas - mais que explícitas após o cume da crise em 2008 – continuam sem alterações, tanto nas determinações dos policy makers americanos quanto nas atividades desenvolvidas por bancos, seguradoras e agencias de risco.

            O governo Obama, assim que eleito, tinha a missão de enquadrar as práticas do mundo financeiro que haviam sido desregulamentadas em Wall Street após os fatos mostrarem que houve grandes abusos dos big shots das finanças que agiram, influenciaram e demandaram por maior liberdade no mercado financeiro através de seus representantes inseridos nos governos de W. Bush e do próprio Obama. Infelizmente, o atual presidente falhou em obter uma grande reforma da regulamentação financeira devido aos grandes lobbbies formados por bancos, seguradoras e agencias de risco, obtendo somente uma reforma com pequenas alterações, reconhecidamente ineficiente para evitar a tragédia das conseqüências geradas pela da crise, como o aumento das taxas de desemprego nos EUA e Europa de forma abrupta e superlativa, a perda de ativos financeiros de investidores e poupadores comuns que acreditaram nos bancos americanos por todo o mundo, além do problema das hipotecas nos EUA, que gerou uma massa de cidadãos completamente endividados, sem casa e sem emprego.

            Uma das tônicas interessantes que o documentário aborda e que é inquestionável é a inserção (novamente) de membros dessas grandes instituições financeiras, causadoras de toda a crise, em cargos-chefe do governo americano. Desde os anos 80, cargos como secretário do Tesouro americano, presidente do FED, secretário de finanças, entre outros, vem sendo ocupados repetidamente por grandes personalidades representantes das maiores empresas financeiras dos EUA. Logicamente isso gera um conflito de interesses entre as medidas tomadas por esses representantes do governo, que deveriam zelar por uma maior fiscalizam do mercado financeiro e suas atividades, e suas funções exercidas dentro das empresas que deveriam ser fiscalizadas pelos mesmos.

            A conclusão a que se chega é assustadora por mostrar quem realmente direciona as ações tomadas pelos governos nos EUA, mesmo representando linhas políticas opostas. Os grandes financistas de Nova York determinam através de seu poder de barganha o que o estado americano fará ou deixará de fazer em relação à regulamentação do mercado financeiro. Isso soa panfletário, porém é uma simples constatação dos fatos ocorridos durante a última crise financeira e as anteriores do cenário recente (crise das empresas .com, Enron e etc.). Assim como em outros países (não estamos falando de Brasil aqui, não é?), o Congresso americano e o poder Executivo dos EUA se vêem totalmente influenciados e comandados pelos seus fortes lobbies, principalmente o do mercado financeiro. Apesar de todas as investigações iniciadas nos âmbitos do governo americano, nenhuma chegou a conclusões que levassem culpados a responderem processos e muito menos irem para a cadeia. Os diretores, ceo´s, cfo´s, chairmans continuam atuando da mesma forma no mercado, obtendo milhões de dólares em bônus e gratificações pagas por conseguirem aumentar os lucros de seus bancos, corretoras e demais empresas vendendo títulos ‘tóxicos’ que escamoteiam os grandes riscos envolvidos nos ativos originais.

            Outro ponto espetacular do documentário mostra a ligação entre acadêmicos renomados das melhores universidades dos EUA e o mercado de Wall Street. Muitos deles foram (e são) contratados para escreverem artigos em favor das demandas de bancos, que na época pré-crise queriam uma maior desregulamentação do mercado financeiro. Os artigos escritos a época exaltavam as enormes vantagens dos derivativos financeiros, que transformavam títulos hipotecários em títulos vendidos por bancos de investimento a poupadores que nem sabiam ao que estavam atrelados os tais papéis. O argumento utilizado nos artigos era que o risco de mercado com a criação desses títulos estava sendo distribuído. Realmente o foi, levando milhões de pessoas pelo mundo ao desemprego e nações desenvolvidas a recessões sem precedentes e algumas a bancarrota. É vexatório saber que acadêmicos de algumas das melhores universidades do mundo se prestaram a este papel.

            Como não vimos mudanças substanciais no circo que se transformou o mundo das finanças americano, podemos esperar no futuro por outras crises econômicas causadas por especulações financeiras. Os grandes culpados por fazerem milhões de pessoas ao redor do mundo perderem suas casas, seus empregos e sua dignidade continuam atuando livremente nas grandes firmas de Wall Street. Não há esperanças que isso vá mudar tão cedo.